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sábado, 7 de abril de 2012

REVOLTA NO RIO MATAURÁ - 1932


Essa historia foi contada ao meu Pai, João Clarindo, quando morávamos numa localidade por nome de VENCEDOR, localizado na margem esquerda do Rio Madeira, em frente ao Paraná do Uruá, no município de Manicoré - AM, por um dos participantes da revolta chamado de Zé Pavão, segundo ele, nesta localidade vivia o clã dos Lindoso, exceto por um dos integrantes dessa grande família chamado Batué Lindoso, que tinha uma grande área de terra no Rio Marepáua.

Tudo começou quando o Coronel de Barranco Carlos Lindoso, em meados da década de 30, saindo do VENCEDOR, entrou no Rio Mataurá, hoje pertencente ao município de Novo Aripuanã - AM, e lá se estabeleceu, montando um grande Armazém de estivas para comprar a produção dos pequenos proprietários de terras que ali já exploravam a extração de borracha e castanha.

Naquela época, não havia linha de barco recreio no Rio Madeira e, no entanto, os proprietários de terras tinham que vir uma vez por ano à Manaus para recolher o imposto sobre a propriedade rural, junto à coletoria de impostos da União. Baixando o Rio Madeira, de Manicoré à Manaus, levava mais de uma semana para um batelão, impulsionado por oito remadores, percorrer esse trajeto.

Foi então que o Coronel Carlos Lindoso, em 1932, por ocasião de uma dessas viagens que faria à Capital, se comprometeu para com seus vizinhos e fregueses, levar os seus respectivos títulos de propriedade para o recolhimento do tributo.

Quando retornou de viagem, não se sabe como vez para conseguir, disse aos pequenos proprietários que lhe haviam cedido os documentos, que todas aquelas terras agora lhe pertenciam e que todos iriam ser seus empregados.

Revoltados, mas com poucas armas de fogo para deflagrar um conflito direto, os moradores se reuniram e decidiram mandar um deles a Manaus para comprar armas para a revolução. Acontece que o sujeito se perdeu, passou pela foz do Madeira e foi parar em Itacoatiara, levou cerca de duas semanas só baixando o rio. Seus correligionários já impacientes com a demora decidiram agir por conta própria.

O Coronel foi avisado que os caboclos estavam se preparando para uma revolta, mas não ligou à mínima, desdenhava inclusive – caboclo não tem dinheiro nem pra comprar munição que dirá arma de fogo – dizia ele, que morava com um filho de 15 anos no próprio armazém, mas mantinha uma casa com mulher e filhos numa área um pouco mais afastada do armazém.

Dizia o finado Zé Pavão, que o Coronel havia construído um túnel de fuga que ligava o armazém a uma mata próxima, cujo alçapão ficava bem debaixo do seu mosqueteiro.

À boca-da-noite, três homens foram até o armazém, bateram na porta e o garoto atendeu, disseram-lhe que queriam comprar velas para um velório, então um deles disse – Cadê seu pai? – o garoto apontou para o mosqueteiro e disse – está dormindo – nisso, um dos caboclos viu um canto do mosqueteiro se mexer e calculou que ali estava a cabeça do Coronel, sacou da espingarda e atirou. O tiro acertou o pé do Coronel que prontamente entrou no alçapão e sumiu. Os caboclos revistaram o armazém, mas não o encontraram, então decidiram atear fogo no armazém depois de saquearem toda cachaça, armas e munições e, felizmente, pouparam a vida do filho do Coronel, mas foram até sua casa, mataram a mulher e os outros filhos do Coronel.

Com a fumaça, o Coronel teve que sair do túnel onde estava escondido. Um caboclo o avistou saindo de um buraco próximo a mata e deu o alarme, nisso já havia uma grande multidão em volta do armazém que rapidamente o cercaram. Os caboclos, um por um, com facão em punho, foram até ele e contaram-lhe um pedaço do corpo dizendo – se lembra daquela terra que vosmice me tomou lá no lugar tal? – e cortava um braço ou uma perna até que não sobrou quase nada do Coronel.

O coronel tinha um capataz muito leal que não estava com ele nesse dia, mas assim que chegou de canoa e ia subindo o barranco, foi parado por três caboclos que lhe apontaram armas e disseram – passa pro nosso lado ou morre – ao passo que o leal empregado disse – eu prefiro morrer a passar pro lado de vocês – então morra! Disse um deles e atirou, mas a bala foi desviada pelo remo que carregava. Já o segundo tiro acertou-lhe o braço e terceiro foi fatal, bem no peito.

Sabendo que ia haver represarias, pois a família Lindoso era numerosa, os caboclos cavaram trincheiras e se prepararam pro ataque. Um dos empregados do Coronel conseguiu fugir e avisar o seu irmão que morava no Rio Marepáua, Batué Lindoso. Quando soube, armou 15 homens e partiu pra vingar a morte do seu irmão.

Antes de entrar no Rio Mataurá, Batué Lindoso fez uma parada na vila de Tapinima, onde havia um engenho de fabricação de cachaça do Senhor Luís Correa, para comprar cachaça pros seus homens. Lá foi demolido do seu intento pelo próprio Luiz Correa que lhe disse – não vá que você vai morrer! Existem lá mais de 150 homens armados com rifle winchester “papo amarelo” e espingardas.

Então pediram auxílio ao governo que enviou uma canhoneira de ferro da marinha para região, assim que ela entrou no Rio Mataurá, um caboclo conseguiu perfurar o casco da embarcação com uma bala calibre 44, carregada com ponta de lima, quase que ela afunda. Depois de taparem o buraco, ela finalmente chegou ao local da rebelião. Olhando pelo binóculo, o comandante avistou os caboclos entrincheirados no porto e então deu ordem para que desferissem uma rajada de metralhadora e tiros de morteiro no entorno da margem do rio, foi o suficiente para os caboclos abandonarem suas posições e sumirem mata adentro.

Nesse dia, os soldados da marinha não conseguiram capturar um caboclo sequer, segundo o finado Zé Pavão, um caboclo que estava fugindo em meio ao tiroteio infernal, teve a barra da sua calça agarrada por aquele cipó cheio de gancho chamado “unha de gato” e veio ao chão, nisso ele gritou: “pelo amor de deus seu soldado, não me mate!”.

Mais tarde, conseguiram prender apenas umas seis pessoas pelo assassinato do Coronel, mas a maioria fugiu atravessando o Rio Madeira, passando pelo Vencedor, Castanhal e Cachoeirinha, inclusive o finado Zé Pavão.

Quando fomos morar no Vencedor, a convite do Cesar Lindoso, grande profissional agrônomo daquela região e muitas vezes Secretário da Agricultura do Município de Novo Aripuanã, filho de Cariolanda Lindoso e tio do Coronel assassinado, os caboclos que moravam na margem direita do Rio Madeira tinham o maior receio de atravessar o rio, com medo de represarias. Tinha época que chegavam a passar fome porque a melhor área de pesca ficava justamente do outro lado do rio, mas era só cisma de caboclo, porque o Cesar mesmo não ligava pra essas coisas.

Espero que isto tenha contribuído para resgatar um pouco da história dos nossos seringais. Considerando que o sentimento de justiça é inerente à natureza humana, não importa a condição social do indivíduo. Quando lhe subtraímos algum direito, há a chamada “revolta do injustiçado”, em nome da qual se pode cometer alguns atos de barbárie, como neste caso.

2 comentários:

  1. Meu pai também conta esta história, o Sr. José Pavão, morou durante um bom tempo nas terras de Curralinho de propriedade' de meus Bisavôs Quirino e Carolina Araujo. O local onde ele morava ainda se chama "Ponta do Pavão".

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  2. O meu avô António Brasil morava lá nessa época, meu pai Isaac Serfaty e minha Dejanira brasil contam essa estória

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