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segunda-feira, 24 de maio de 2010

A JUSTIÇA E A FORÇA


“A Justiça sem Força e a Força sem Justiça são duas grandes desgraças” (Josefh Joubert)


A definição de justiça, tal como ela se apresenta no nosso cotidiano, é a prevenção e manutenção da paz social. Prevenir qualquer revolta é a garantia da paz no Estado. Para tanto, não basta a arte do bem governar, é preciso usar a força. Ora, como a força não se deixa manipular por se tratar de uma qualidade palpável, ao passo que a justiça se presta a isso, por ser uma qualidade espiritual, manipula-se a justiça para justificar a força. Esvaziado o velho conceito de justiça: "dar a cada um o que é seu" (Ulpiano), esta passa a ser o disfarce da força.
Se na sociedade a justiça é apenas aparente, quando os homens são guiados unicamente pela força, ela passa então a ser um verdadeiro reino da iniqüidade, no qual todos os homens querem dominar e nem todos podem. Nesse prisma, a justiça se apresenta como uma divida cobrada pelos dominantes sobre os dominados. O partido dominante toma o poder e se mantém pela força. A força é aquela que se encontra na base da sociedade dos homens. Somente a força é capaz de moderar a ambição humana.


Se aqueles que dominam somente pela força, não há um Direito Natural nem um apanágio divino que os façam situar, natural ou sobrenaturalmente, acima dos demais, concedendo a eles um verdadeiro direito de governar. Neste reino da concupiscência, a justiça é, tal como Pascal a define, "a previsão da sedição" (La 66; B. 326), pois ela impede que a falta de justiça que está na base da sociedade seja conhecida por todos. Ora, se a justiça é aquela que previne a revolta e cria as leis do Estado visando o bem comum, são estabelecidas pela força. Como então o povo passou a obedecer às leis e a respeitar os dominantes? Quais os meios utilizados para isso? E qual o artifício humano para que as leis fossem justificadas, ou seja, como a justiça, heterogênea à força, passou a ser o seu disfarce?


A "Imaginação” pura e simplesmente. A imaginação é uma potência, e uma potência dominante. Tamanha é sua força que os homens valorizam as pequenas coisas e desvalorizam as grandes; ela leva os homens à crença. Ninguém resiste à força da imaginação. Nossos magistrados conhecem bem esse mistério. As suas togas negras; os palácios onde julgam; os símbolos. Todo esse aparato majestoso é bem necessário porque vejamos: e se os médicos não tivessem batas e estetoscópios, e se os doutores não tivessem ternos, jamais poderiam enganar o povo, que não pode resistir a essa exibição tão autêntica. Se exercessem a verdadeira justiça, esses profissionais não precisariam lançar mão desses artifícios que tocam a imaginação para adquirirem respeito, ou seja, todos esses vãos instrumentos são necessários para mascarar a ausência da verdadeira justiça e surpreender a imaginação daqueles que assistem a esse espetáculo, arrancando deles o respeito e a crença aos propósitos mais variados. Uma vez obtidos a crença e o respeito pela força da imaginação, os magistrados, que também não resistem a tal força, passam a crer que eles, de fato, possuem um verdadeiro saber.


Pôr a justiça nas mãos da força implica forjar a justiça para justiçar a força. Somente justificando a força é possível adequar a justiça ao reino da concupiscência. Apenas desse modo pode-se dar a aparência de justiça à sociedade dos homens, cujo laço é a ganância.

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